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11 outubro 2013

O Pequeno Li - Continuação lV

Uma Investida Covarde:


Rumo ao Presente.


“É, eles me pegaram. Depois de tanto treinar contra qualquer investida, eles haviam conseguido me capturar. Estava dentro de um casarão, estava chovendo muito. Ele era grande e só tinha uma janela lá no alto. Sinceramente, eu não queria olhar a cara do tio Sien quando ele viesse em meu socorro (se é que ele conseguiria me encontrar). Ou talvez eu quisesse, pois já estava ficando sem paciência. Já tinham me dado todo tipo de soco e chute que pudesse imaginar. Estavam cogitando levantar minhas unhas e me arrancar um olho. Como um adolescente de 13 anos, tinha certeza que isso teria uma certa seqüela física e psicológica em meu desenvolvimento.

Bom, tá certo. Essa foi a primeira armadilha que já pude ver sendo executada, e eu caí direto nela. Meus braços estavam dormentes e latejando. Minha cabeça, girando feito um redemoinho. E, amarrado naquele poste, eu não conseguia me mexer. Eu tentei contar quantos soldados tinham naquele lugar, além da mulher ‘pelada’, do ‘brutamonte’ e do ‘oficial da guarda’. Contei mais de cem, e o número não parava de crescer, isso era preocupante. Alguns soldados permaneciam ali dentro do casarão, parados e me observando enquanto levava uma surra do oficial. Ora ele revezava com a mulher, ora, com o brutamente. Seja como fosse, eles sabiam bater pesado. Quando estava para apagar, eles me reanimavam com água fria e tapinhas no rosto, tinha certeza que isso acabaria com um desenvolvimento saudável...
Eles queriam saber sobre o estrangeiro e a carta, falavam sobre o meu pai. Não podia dizer nada. Eles temiam uma invasão do território por exércitos dos povos europeus. Se eu contasse que ele era um dos generais responsáveis por um exército de proporções inimagináveis, mas que não tinha nenhuma intenção de invadir o império chinês, garanto que em nada melhoraria a minha situação. Só fico me perguntando por quê? Por que justo eu fui o escolhido para ser seqüestrado? Ainda sou uma criança! Será que imaginaram que eu revelaria os nossos segredos mais facilmente?
Opa! Meu Deus! Eu estou realmente questionando as atitudes de um grupo composto de um suposto oficial, uma mulher quase pelada e um brutamente com cara de imbecil? Realmente, a tortura estava fazendo efeito! Imagina o que motivaria aquela mulher a sair daquele jeito? Seria essa uma de suas armas? Atrair os homens e deixá-los sem saber como reagir frente a ela?
Bom, a faca foi retirada da brasa, vão arrancar o meu olho. Dessa vez é o oficial quem vai administrar a tortura. Foi quando ouvi um alvoroço lá fora, os soldados começaram a correr para ver o que estava acontecendo. A mulher e o brutamente também saíram. O oficial permaneceu na casa com alguns soldados. Meu Deus! Uns quatro soldados foram arremessados pela porta do casarão (desnecessário dizer que era o meu tio, correto?).
Sien, minha mãe, mestre Lao, Jing-Quo e meu primo Liang vieram me resgatar, era a família em peso. Foi engraçado ver o grandalhão brutamonte mais atrás, se levantando do chão, coçando o queixo.
– Você não vai ganhar essa briga, soldado. – disse meu tio ainda na entrada. – Este não é o melhor jeito de descobrir traidores do império.
Comecei a ver como faria para me livrar das minhas amarras, meio difícil; se não fosse, já teria feito se fosse fácil.
– Sou um oficial da guarda. – respondeu aquele idiota ainda com a faca em brasa na mão. – E estou preparado para enfrentá-los.
O local estava cercado por soldados, do interior do casarão ao seu redor, a chuva caía com força.
– Ambos os lados acreditam em sua superioridade, – continuou o meu tio. – mas tenho uma proposta a lhe fazer.
O oficial olhou com desdém.
– O que vocês pretendem?
– A gente não tem motivo para lutar.
– Não? – era eu, não me contive.
– Nós pegamos a criança e partimos em paz.
– Vocês só podem estar brincando... – retrucou o oficial.
– Concordo. – era eu de novo.
– Não quero nada de vocês que já não é nosso, oficial.
Interessante essa idéia de ‘propriedade’ do meu tio.
– Não queremos ir contra o imperador. Não estamos tentando impedir o serviço que vocês prestam. Mas vamos voltar para casa levando o garoto com a gente.
Era um bom plano o do meu tio: era certo que nos machucaríamos muito contra todos aqueles homens, por isso era bom tentar resolver tudo ‘amigavelmente’.
– Eu quero respostas.
– Vocês vão sobreviver sem elas. – adoro o meu tio.
– Quem é Sir Gregory?
– Não vale a briga. – insistiu o meu tio. – É apenas um mau negócio. Ambos perderemos muito. Deixe-nos partir com o garoto, em paz. Se fôssemos algum tipo de traidores do império, é certo que esta conversa não estaria existindo. Além disso, temos mais coisas para nos preocupar.
– É? Que coisas?
– Existem inimigos que vocês não podem lidar, por isso estamos aqui. Deixe-nos ir.
Consegui soltar uma mão.
– Não. – respondeu sacando a sua espada. – Eu tenho uma idéia melhor: vocês se entregam ou os passarei à fio de espada. É quase poético, não acham?
Com uma mão livre, a outra se soltou automaticamente.
– Uma pena... – concluiu o tio Sien.
O brutamonte e a mulher quase pelada já estavam à retaguarda deles. Minha mãe virou-se para enfrentar a despudorada, desferindo-lhe um soco direto no rosto. Mestre Lao já se virou golpeando o queixo do brutamonte sem piedade, um belo chute. O grandalhão caiu alguns metros para trás fora da casa. Sien arremessou uma espada em minha direção, contando que eu já tivesse retirado as amarras que me prendiam, é claro que eu já o havia feito. Apanhei a arma e apontei para o rosto do oficial, completamente despreparado.
– Queria arrancar o meu olho, não é? – falei enquanto ele se colocava em guarda com a sua espada.
A batalha acirrou-se dentro do casarão.
Meu tio avançou contra o oficial e o resto da família se concentrou nos demais soldados.
O brutamonte tentou retornar para o interior da casa, seguido de mais alguns soldados, mas levou outro chute do mestre Lao, seguido de uma estocada do bastão que carregava como arma, golpeou-o direto no peito. O grandalhão ajoelhou-se com a mão no local onde havia levado o golpe. Lao levantou o bastão mirando novamente o rosto.
– Tão grande e tão frágil. – disse. – Isso é ridículo!
Naquela hora, achei que o golpe havia quebrado todos os ossos da sua cara, mas não pude ver o desfecho, a luta se desenrolou para fora da casa.
Minha mãe estava ensinando direitinho como aquela mulher deveria se vestir. A mulher tentou atacá-la com a sua espada, foi bloqueada e teve o seu abdômen nu cortado de baixo para cima pela espada de minha mãe, aquela cicatriz ia ficar feia. A mulher não conteve a expressão de ódio ao ver o que chamava de ‘belo corpo’ ferido tão facilmente e profundamente à espada. Ela avançou de novo contra a minha mãe, agora eram as duas pernas desnudas que recebiam os golpes (talvez lutar sensualmente funcionasse com o sexo oposto, mas acho que a minha mãe estava adorando fazer aquilo). A luta prosseguiu para o lado de fora da casa e isso era bom, porque, dentro do casarão, a situação não era melhor.
Havia o oficial e os demais soldados. O tio Sien, Jing-Quo, Liang e eu estávamos envolvidos contra eles.
– Ataquem para matar ou não sairemos vivos daqui! – gritou Jing-Quo golpeando três dos soldados do império.
– Ele está certo! – era o meu primo, ele era tão sério quanto o tio. Além do mais, era um ótimo guerreiro. Só naquele momento, ele já havia derrubado mais quatro soldados à fio de espada.
– Calma, filho! – retrucou Sien, medindo forças com o oficial. – A vida em primeiro lugar!
Livrou-se do oficial e cortou outros tantos, mas sem matá-los.
– Se não o fizermos, com certeza morreremos aqui, pois eles estão dispostos a nos matar.
– Senhor Jing-Quo, – era eu derrubando outros dois, mesmo muito ferido. – não dê idéias a eles, está bem?
Sien retornou a enfrentar o oficial.
– O senhor é um tolo. – disse Sien. – Já derrubamos mais de uma dezena dos seus homens e sequer fomos feridos. Deixe-nos partir!
– Não! – gritou o oficial. – Acabem com eles!
Nunca acreditei que esse tipo de ordem dobrasse a força de vontade dos seus comandados, mas não é que teve efeito? Os soldados redobraram os esforços em nos derrubar.
– Jing-Quo! Liang! – ordenou o meu tio. – Derrubem o máximo que conseguir! Joguem-nos para fora desse casarão!
E não é que esse tipo de ordem também pode surtir efeito? Os dois começaram a acuar os soldados contra a saída de forma formidável, eles eram guerreiros incríveis. Ah, acaso já disse que o meu primo, Liang, é da mesma idade que eu? Se eu sou um bom guerreiro na minha idade, Liang é um prodígio, deve estar tudo no sangue. Mas qual foi a surpresa ao ver que os guerreiros cercaram a minha família e tanto o meu primo quanto Jing-Quo também foram obrigados a recuar para fora da casa. Seria esse o cumprimento da ‘poesia’ daquele oficial idiota? Não importava o quanto lutássemos, seríamos passados a fio de espada? Bom, pelo menos encontrariam o mestre Lao e a minha mãe lá fora. Boa sorte!
Interessante que eu notei que os soldados apenas gritavam, inclusive o oficial. Ninguém ali se comunicava um com o outro durante a batalha.
– Sabia que vocês são muito quietos? – disse enquanto derrubava mais um. Qual não foi a surpresa ao ver que a brincadeira resultou em que, a meu ver, quase a totalidade dos soldados ali presentes veio em minha direção para me matar. Não brinco mais!
Tá, eu sei, mentir é pecado...
– Ei! Um por vez! Tem bastante de mim para todos!
Esquivei da maioria, mas surgiram mais.
– Assim não dá! É isso que eu chamo de um bocado de soldados!
Sien continuava a luta com o oficial, incrível um inimigo resistir tanto tempo contra o meu tio. Ele empurrou o oficial, este perdeu o equilíbrio caindo em meio ao ‘mar’ de soldados.
– Já estou indo ajudá-lo!
– Por que estamos aqui mesmo?
Sien posicionou-se do meu lado.
– Viemos salvar você.
– Ah, é...
A batalha continuou com o que parecia com um ‘exército’ de soldados e nós, dentro daquele casarão. Comecei a ter receio. O resto da minha família não retornava para nos ajudar.
– O que vai fazer com que essa luta pare?
– Somente quando derrubarmos todos.
O oficial inimigo surgiu de repente, seguindo o seu ataque contra Sien. Ao mesmo tempo, do lado aposto, mais três soldados avançaram para tragar a vida do meu tio. Foi quando ele desviou-se. Interessante foi ver a espada do oficial atravessar a garganta de seu subalterno, ao mesmo tempo que duas espadas dos soldados transpassavam o ‘valente’ oficial. Sei que Sien não disse uma palavra, mas garanto que, se dissesse, seriam as seguinte, quase remedando o nosso inimigo: - ‘considere isso como Justiça Poética’...
O oficial caiu no chão sem dizer uma única palavra, os demais soldados recuaram. Acreditei que a luta terminaria, mas foi o contrário. Eles nos fitaram com um ar de ódio e desespero, então avançaram com ainda mais determinação. Eles agora desejavam a nossa morte por vingança, ou não desejavam voltar de mãos vazias ao imperador e tinham medo da sentença que poderiam receber, possivelmente seria a morte.
Eles começaram a rasgar a minha carne com força, sem se importar de receberem os meus golpes como resposta, parecia que muitos já acreditavam já estar mortos. Eles avançaram sem dar valor às próprias vidas. Antes, morrer em missão do que sofrer uma execução. O mesmo aconteceu com Sien, avançaram desmedidamente, ferindo-o sem que seus agressores sem importassem de serem golpeados. Tivemos de segurar os nossos golpes.
A luta, após a derrocada do oficial, demorou pouco mais de cinco minutos, mas pareceu durar uma eternidade. Lembrei-me da minha mãe. O que havia ocorrido com os outros? Ficamos deveras feridos, minha roupa tingiu-se de sangue. Comecei a sentir tudo escurecer.
– Vermes, vocês têm sorte de eu ter me contido! – disse o meu tio, ele parecia estar muito nervoso com a reação covarde dos soldados. Estávamos muito machucados. Mas já tivemos situações piores. Bom, na verdade, nunca tivemos, mas gosto de pensar assim. Comecei a me sentir muito fraco e isso era óbvio. Depois de uma longa tortura e essa última leva de inimigos, não teria muito mais de mim para continuar.
Porém, meu desânimo aumentou: uma segunda leva de inimigos se apresentou bem à nossa frente, viram o oficial morto, entenderam a situação, iam tomar a mesma atitude imbecil dos seus antecessores. Meu tio os olhou ainda com mais determinação, ele parecia diferente, determinado, vidrado em um objetivo. Sei que ele era o mesmo, mas parecia muito superior ao que estava acostumado, estava diferente. Ele olhou para mim, eu queria continuar a lutar ao seu lado, mas as minhas pernas arquearam na altura dos joelhos, minha espada veio ao chão. Tudo escureceu. Só lembro-me do meu último pensamento: ‘Tio, acaba logo com eles e vamos embora pra casa’...
Apaguei apenas por alguns minutos.
– Li... – foi o que eu ouvi lá no fundo, estava tudo escuro. – Acorda! – senti alguém segurando a minha mão. – Temos de sair daqui! – abraçando-me. – Li... – escutei um choro.
Abri os olhos devagar, meu tio estava horrivelmente machucado, mas havia vencido cada inimigo, ele se mostrou aliviado ao me ver abrir os olhos. Estendi a mão em direção ao seu rosto, por que ele estava chorando?
– Obrigado... – falei.
Ele me olhou com os olhos carregados, parecia que eu estava morrendo, mas não sentia nada além do normal, se é que estar cheio de feridas à fio espada seja normal.
– Perdoe-me... – disse ele engasgando. – Deus...
Eu não entendia aquela situação. Eu me sentia bem, não sentia nenhuma dor. Foi quando senti tudo escurecer de novo”.

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